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Duzentos gramas OU Duzentas gramas?

Então... estamos aprendendo sobre o gênero dos substantivos. O GRUPO DOS 18, como já postei aqui, está estudando História, Geografia, Ciências, Matemática e, em Língua Portuguesa, meu carro chefe, estamos começando pelos substantivos.
Essa semana, ao trabalhar exercícios dos gêneros dos substantivos chegamos nas palavras uniformes com significados diferentes para o masculino e para o feminino. Após a explicação da diferença de O GRAMA e A GRAMA perguntei: "Como então, devemos falar na hora de pedir o presunto na padaria? Duzentos gramas de presunto ou duzentas gramas?"
Retruca o aluno mais inteligente da turma: "Agora eu sei que é duzentos gramas, 'fessora'! Mas se eu falar assim com o padeiro ele é que não vai entender. Então, pra quê aprender isso?"
Respondi. Claro! Sou educadora! E uma educadora que se prese sempre tem uma resposta! Mas essa pergunta ecoou em minha mente. E só criei um sentido pra ela hoje, após uma conversa, quase filosófica, com uma colega de trabalho. Vejamos:
Há um UNIVERSO PARALELO ou um PAÍS PARALELO dentro do nosso país. A comunidade em que a maioria dos meus alunos vivem tem uma linguagem própria, uma circulação financeira diferente da nossa. Própria da comunidade, uma música própria, uma maneira de vestir, pensar, criar filhos, sociabilizar... enfim, é um outro mundo dentro do nosso mundo.
Quando digo para aquele menino que ele precisa estudar pra ser 'alguém relevante na vida', ele certamente se pergunta: "Por que essa mulher diz isso? Meu pai não estudou, minha mãe não estudou e trabalham! Por que eu preciso estudar? Há emprego para eles, certamente haverá pra mim!" 
Outro dia comentei com a turma sobre as oportunidades de vagas para o emprego de menor aprendiz e um aluno me disse que não compensaria. Ele já trabalha fabricando pipa e ganha 800 reais por mês. Disse a ele que ele trabalharia nos correios apenas 4 horas por dia e fazendo pipa ele precisava trabalhar 8 horas. Mas de que adiantava eu falar de valores proporcionais se o que o interessa é a quantidade de cifrão que ele tem nas mãos? Ele me ignorou.
A mãe de muitos deles têm, no mínimo, 4 filhos. Com o bolsa família de cada um ela ganha 400 reais. O companheiro ganha mais 500, no mínimo. São 900 LIMPOS na mão da família. Como moradores de comunidade não pagam aluguel, água, luz e nem esgoto. Pagam o 'gato net', que quase todos têm e o restante é para os 'luxos': celulares de última geração, MP3, MP4 etc, etc.Perdem esses brinquedinhos o tempo todo e volta e meia aparecem com novos. Se minha filha fizer isso vou brigar com ela o ano todo. Mas eles, não! Aparecem com novas parafernálias eletrônicas dias depois. Como disse um colega esses dias: são os eternos herdeiros do governo. Bom, quem paga a conta? EU! VOCÊ, leitor, meu amigo que conhece esse blog. A classe média que fica tentando incutir na mente desse adolescente que o mundo dele é pior que o seu e que ele precisa se 'converter', se bandear para o lado de cá. Para o outro lado da força. Onde o mundo do trabalho, dos estudos, dos impostos altíssimos, da conta de água, luz, telefone, gás, IPTU existem e devem ser pagas em dia.

Meu Deus! A quem estou tentando enganar????

É muito complicado ensinar  para jovens que já trazem conceitos completamente diferentes dos que tenho. Eles não sabem, mas já tem um estilo de vida próprio. Valores firmados. E no mundo a que eles pertencem o estudo não é tão relevante como no meu mundo. O trabalho sim! Esse faz a diferença! Mas não precisa pensar pra trabalhar! Basta trabalhar e ganhar o complemento aos 'bolsa família', 'bolsa jovem estudante', 'bolsa tudo'!

Estamos tentando, como educadores, colonizar, como disse minha colega de trabalho, aquele a quem eu finjo não perceber na sociedade. Pago a conta para ignorar sua presença e seu  mundo dentro do meu mundo.
(Já contei aqui que não sabia, até chegar no Município, que as comunidades próximas tinham inúmeros nomes diferentes? Pois é! Dentro do bairro do Lins há mais de 20 comunidades com nomes diferentes. Envergonho-me em dizer: mas só descobri isso agora. Com meus alunos.)

Não há conclusão, leitor. E, só de raiva, vou falar com o padeiro 'duzentos gramas'. Pra mostrar que sou melhor? Não. Porque não sou. Porém, preciso mostrar que sou diferente. Que vou manter minha ideologia, meu estilo de vida. Se perder isso, a essa altura do campeonato, perco o chão.

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